sábado, 21 de outubro de 2017

Quando a poesia interrompe a rotina



O que pode existir em comum entre Mario Vargas Llosa, Rita Gil, doação de sangue e Tiago Iorc???? Poesia!!!!! Minha semana foi de pura poesia. Não a formal, acadêmica, feita para ouvidos puros. A poesia, a que me refiro, é aquela do dia dia, das relações. A poesia que, às vezes têm falta de sintonia, e num simples piscar de olhos passa a ter humanidade.

Algumas pessoas podem achar que não conhecem este tipo de poesia, mas ESTA dita cuja é NOSSA todos os dias, em todos os instantes.

Mario Vargas Llosa, no livro "Cartas a um jovem escritor" (editora Elsevier) conta para um aspirante à escritor sobre o que é importante para escrever. Não estamos falando de técnicas narrativas, mas de chamados da alma. Vargas Llosa cita autores que plantam a semente da leitura. Porque para escrever é preciso ler. Ler muito. Ler ainda mais. Na página 180 ele diz "ninguém pode ensinar ninguém a criar; na melhor das hipóteses, podemos aprender a ler e a escrever. O restante podemos ensinar a nós mesmos, tropeçando, caindo e levantando sem cessar".

Não é um livro para devorar em uma noite, mas para degustar capítulo por capítulo, para fazer anotações, para guardar os títulos sugeridos pelo autor. É um livro para viver ao nosso lado. Não é leitura única, é leitura de todo dia. E a cada dia perceber que, as palavras ditas ali, são enriquecimento para o coração de quem lê. Isto é poesia. Quando a palavra alheia nos permite novas construções no nosso mundinho.

E então vem Rita Gil, artista visual, que disse em alto e bom tom que moda é sim arte. Yves Saint Laurent sempre afirmou isto. E agora Rita vem mostrar que esta afirmação faz parte, SIM, do nosso cotidiano. Com a exposição "Caderno de Medidas" (curadoria de Dalmo Santana), ela transformou o Centro Municipal de Cultura Prefeito Arno Michaelsen, em Gramado, num ateliê de moda.






A poesia se fez na comida, no som, nas obras e principalmente na homenagem feita a sua mãe, Lourdes Gil, que foi uma das modistas mais requisitadas na cidade de Gramado. Ela recebia as clientes com os tecidos e os croquis comprados na capital. Escutava os desejos das clientes e transformava tudo aquilo em vestidos que marcaram uma (ou várias!!) épocas. Sensibilidade para ouvir, mãos delicadas para materializar sonhos. Este é o material para se fazer poesia no cotidiano. O trabalho de Rita Gil nos faz lembrar disto tudo. Nos faz perceber a riqueza das nossas lembranças.






Bem se vê que tecido com tecido não é roupa. Tecido com tecido, vestido por uma mulher, é poesia, sonho, intenção.



Marta Rossi é homenageada na exposição


Lourdes Gil, a modista inspiradora








O melhor é que tudo isto ainda pode se admirado até 27 de outubro, das 9h às 11h45min e das 13h30min às 17h30min. O Centro de Cultura fica junto ao Lago Joaquina Rita Bier. E a entrada é gratuita.

E continuamos com a poesia, porque ela é como o ar: fluí entre nós, a todo instante. Mas nem sempre percebemos. Assim como muitos não percebem que respiram.

Minha filha, Maria Rita, me apresentou o cantor Tiago Iorc. Me mostrou os clipes no youtube e sonhava pelos cantos com a possibilidade de ver ele bem de pertinho. Ela realizou o sonho dela. Um anjo da guarda, em forma de amigo se encarregou disto.







Este é o cara: Ênio Martins. Ele é produtor, radialista, músico, redator, sócio da Touché Cultural. Sabe aquela pessoa que está conectada com o espiritual, que sente a energia que chega sem avisar? É ele, Ênio. Trazer Tiago Iorc foi um desejo dele. E talvez por isto ele e Maria Rita estiveram tão conectados neste episódio. Concretizar, fazer acontecer, acreditar... verbos que vibram no positivo tem conexão imediata com a poesia da vida. Feche os olhos e deixe fluir. A vida responde! E como canta Tiago Iorc: "Quase ninguém vê/Quanto mais o tempo passa/Mais aumenta a graça em ti, viver...".


Porque poesia não se vê. Poesia se sente. Poesia emociona. Faz chorar e faz rir. Poesia faz o sangue circular. E assim chegamos na doação de sangue.



Dez anos atrás tomei conhecimento deste mundo sanguíneo, primeiro com meu pai precisando de algumas poucas bolsas de sangue, em outubro de 2006. E 100 dias depois com meu irmão precisando de 40 bolsas de sangue. Os dois morreram. E com estas ausências, uma consciência se fez para mim, de que sangue salva vidas. Na época um tanto incoerente: por que trabalhar por uma causa que salva, se eu perdi os meus? E aí a espiritualidade me brindou. Foi criada a Associação Chico Viale, para trabalhar para que esta corrente não termine por causa de ausências.

Vi muitas vidas se salvarem, em função das doações de sangue organizadas, dos pedidos de sangue repassados na internet e na mídia. Também vi outras despedidas. Mas a espiritualidade não me deixou perder a direção. O sangue humano faz parte do sistema circulatório, formado também pelo coração e vasos sanguíneos. Sua principal função é a distribuição dos nutrientes, gás oxigênio e hormônios para as células do corpo humano. E máquina alguma fabrica sangue. Sangue está nas veias. Sangue é vida. Sangue é solidariedade e cidadania. Doa sangue quem reconhece o outro como um parceiro de caminhada. Mesmo que não conheça pessoalmente ele.

E por isto no dia 07 de novembro, em São Francisco de Paula, uma doação de sangue irá ocorrer. Para coletarmos 130 bolsas de sangue. Para que muitas vidas tenham uma nova chance. Para que a corrente da solidariedade não se quebre. E que a poesia tenha vida longa. As informações estão todas ali em cima.

Poesia está nos livros, nos gestos, nas pessoas. Poesia está principalmente no olhar e no coração, de quem vê e de quem sente. Somente isto!

domingo, 8 de outubro de 2017

Desmanchar e refazer




O que existe em comum entre Bichológico, O Sumiço do Canário e Vidas Secas????? "Nada" dirão alguns. Mas eu enxerguei algo que une estas três obras. Todos brasileiros. Todos retratam vidas de animais. Todos tratam sobre sentimentos. Todos merecem ser lidos. Todos falam sobre DESMANCHAR algo.

Durante a Feira do Livro de Canela (RS), que aconteceu no final de setembro, a escritora Paula Taitelbaum trouxe seu "Bichológico" (editora Piu). Uma contação de história, uma oficina para recriar bichos da imaginação e da realidade e uma manhã cinzenta coloriu-se no Grande Hotel, lugar da oficina e da contação de Bichológico.





Paula teve o cuidado de imprimir o texto em CAIXA ALTA, para facilitar a leitura da criançada. A história é sobre bichinhos "malucos" que são construídos de acordo com a narração da autora. Os bichos são colagens. São formas geométricas que vão se juntando e compondo animais e a própria história.







Paula lê as frases e as crianças interagem, dão risada com os elementos que constroem cada um dos personagens. "Quer que eu desmanche e conte outra vez? Não!!!!!!", dizem as crianças para a pergunta de Paula. Eles querem mais, querem ver novos personagens. E assim prossegue a história. Paula dá nacionalidade para seus bichos. Paula desmancha formatos convencionais e segue dando luz para seres que existem na sua imaginação. E na nossa. Ou seja, podemos desmanchar qualquer coisa!






E daí vem O Sumiço do Canário (quando os finais precisam ser inventados), da escritora Alessandra Rech (editora Belas Letras), numa história que nos remete para a realidade e para a imaginação que pode salvar uma realidade.



Um canário muito querido, um animal de estimação, desaparece e este sumiço gera dúvidas e conflitos. O leitor tem que se colocar num novo cenário: o da perda. E quem é que gosta de perder? A autora suaviza o texto num DESMANCHAR. Não, o canário não se desmancha. O que se desmancha é a situação, a perda. E aí entra em ação a imaginação. Um imaginar que recria possíveis sensações e reações. Um imaginar que nos dá a perspectiva de que tudo pode se DESMANCHAR e não ser ruim. Mas ser diferente. Uma outra abordagem sobre valores. A leitura vale para crianças, adolescentes e muitos mais(!!!!!!) para adultos apegados a fatos concretos!!



Em 2016, Alessandra Rech, participou de bate papos com alunos do Ensino Fundamental 1, do Colégio Expressão, em São Francisco de Paula (RS). Alessandra era escritora convidada da Pizza Literária, evento que une gastronomia e literatura, na cidade. No colégio ela teve a oportunidade de conversar sobre sumiços e descobertas na infância.








E então veio Vidas Secas, de Graciliano Ramos, publicado em 1938. Um livro que provoca sede. Uma leitura que nos faz repensar o norte da vida. Uma história que DESMANCHA  as nossas certezas. Fabiano e sua família se deslocam não somente pela seca, mas pela vida. Livro da Escola Modernista, conhecida como Regionalista. Texto com poucos adjetivos, linguagem seca. O livro possui 13 capítulos que, por não terem uma linearidade temporal, podem ser lidos em qualquer ordem. Porém, o primeiro, "Mudança", e o último, "Fuga", devem ser lidos nessa sequência, pois apresentam uma ligação que fecha um ciclo. "Mudança" narra a caminhada de uma família sertaneja pela aridez da caatinga, enquanto que em "Fuga" os retirantes partem da fazenda para uma nova busca, por condições mais favoráveis de vida. A miséria, em que as personagens vivem, representa um ciclo.  Um vaqueiro do sertão nordestino, que sem ter frequentado a escola, não é um homem com o dom da palavra, e chega a ver a si próprio como um animal. Sem conseguir se comunicar direito com as pessoas, entra em apuros em um bar com um soldado, que o desafia para um jogo de apostas. Pela família ele se encrenca. Pela família ele se salva. Pela família ele se condena. Sinha Vitória é a esposa de Fabiano. Mulher cheia de fé e muito trabalhadora. Além de cuidar dos filhos e da casa, ajuda o marido em seu trabalho pesado. Esperta, sabe fazer contas e sempre avisa ao marido sobre os trapaceiros que tentam tirar vantagem da falta de conhecimento de Fabiano. Seu sonho maior uma cama de fita de couro para dormir. O casal tem dois meninos, que nada questionam naquele cenário. E Baleia, a cachorra quase humana.




Não existem sonhos nesta história. Existe realidade. Uma realidade que pode se DESMANCHAR a qualquer momento. E cada linha lida e relida a gente se questiona sobre nossas escolhas, nossos devaneios. Questionamos até mesmo a maneira como respiramos. Porque respirar calmamente ajuda a desmanchar pensamentos doentios e sentimentos egoístas. Então percebemos o mais interessante: esta leitura pode DESMANCHAR a nossa tal construída realidade!!! Sim, a nossa realidade e os nossos sonhos vão se desmanchando a cada novo capítulo!




Por que ler? Porque o Clube de Leitura de São Chico vai debater o livro no dia 18 de novembro, às 10 horas, na Biblioteca Pública Elyseu Paglioli. E porque Vidas Secas nos ajuda a DESMANCHAR uma realidade que já não nos serve mais: a da hipocrisia. 



Por que me tornei uma colagista

Em 2001 fiz um auto exílio na Suíça, em função de um casamento. Jornalista no Brasil, lá me descobri uma analfabeta. Além de precisar apre...