domingo, 8 de outubro de 2017

Desmanchar e refazer




O que existe em comum entre Bichológico, O Sumiço do Canário e Vidas Secas????? "Nada" dirão alguns. Mas eu enxerguei algo que une estas três obras. Todos brasileiros. Todos retratam vidas de animais. Todos tratam sobre sentimentos. Todos merecem ser lidos. Todos falam sobre DESMANCHAR algo.

Durante a Feira do Livro de Canela (RS), que aconteceu no final de setembro, a escritora Paula Taitelbaum trouxe seu "Bichológico" (editora Piu). Uma contação de história, uma oficina para recriar bichos da imaginação e da realidade e uma manhã cinzenta coloriu-se no Grande Hotel, lugar da oficina e da contação de Bichológico.





Paula teve o cuidado de imprimir o texto em CAIXA ALTA, para facilitar a leitura da criançada. A história é sobre bichinhos "malucos" que são construídos de acordo com a narração da autora. Os bichos são colagens. São formas geométricas que vão se juntando e compondo animais e a própria história.







Paula lê as frases e as crianças interagem, dão risada com os elementos que constroem cada um dos personagens. "Quer que eu desmanche e conte outra vez? Não!!!!!!", dizem as crianças para a pergunta de Paula. Eles querem mais, querem ver novos personagens. E assim prossegue a história. Paula dá nacionalidade para seus bichos. Paula desmancha formatos convencionais e segue dando luz para seres que existem na sua imaginação. E na nossa. Ou seja, podemos desmanchar qualquer coisa!






E daí vem O Sumiço do Canário (quando os finais precisam ser inventados), da escritora Alessandra Rech (editora Belas Letras), numa história que nos remete para a realidade e para a imaginação que pode salvar uma realidade.



Um canário muito querido, um animal de estimação, desaparece e este sumiço gera dúvidas e conflitos. O leitor tem que se colocar num novo cenário: o da perda. E quem é que gosta de perder? A autora suaviza o texto num DESMANCHAR. Não, o canário não se desmancha. O que se desmancha é a situação, a perda. E aí entra em ação a imaginação. Um imaginar que recria possíveis sensações e reações. Um imaginar que nos dá a perspectiva de que tudo pode se DESMANCHAR e não ser ruim. Mas ser diferente. Uma outra abordagem sobre valores. A leitura vale para crianças, adolescentes e muitos mais(!!!!!!) para adultos apegados a fatos concretos!!



Em 2016, Alessandra Rech, participou de bate papos com alunos do Ensino Fundamental 1, do Colégio Expressão, em São Francisco de Paula (RS). Alessandra era escritora convidada da Pizza Literária, evento que une gastronomia e literatura, na cidade. No colégio ela teve a oportunidade de conversar sobre sumiços e descobertas na infância.








E então veio Vidas Secas, de Graciliano Ramos, publicado em 1938. Um livro que provoca sede. Uma leitura que nos faz repensar o norte da vida. Uma história que DESMANCHA  as nossas certezas. Fabiano e sua família se deslocam não somente pela seca, mas pela vida. Livro da Escola Modernista, conhecida como Regionalista. Texto com poucos adjetivos, linguagem seca. O livro possui 13 capítulos que, por não terem uma linearidade temporal, podem ser lidos em qualquer ordem. Porém, o primeiro, "Mudança", e o último, "Fuga", devem ser lidos nessa sequência, pois apresentam uma ligação que fecha um ciclo. "Mudança" narra a caminhada de uma família sertaneja pela aridez da caatinga, enquanto que em "Fuga" os retirantes partem da fazenda para uma nova busca, por condições mais favoráveis de vida. A miséria, em que as personagens vivem, representa um ciclo.  Um vaqueiro do sertão nordestino, que sem ter frequentado a escola, não é um homem com o dom da palavra, e chega a ver a si próprio como um animal. Sem conseguir se comunicar direito com as pessoas, entra em apuros em um bar com um soldado, que o desafia para um jogo de apostas. Pela família ele se encrenca. Pela família ele se salva. Pela família ele se condena. Sinha Vitória é a esposa de Fabiano. Mulher cheia de fé e muito trabalhadora. Além de cuidar dos filhos e da casa, ajuda o marido em seu trabalho pesado. Esperta, sabe fazer contas e sempre avisa ao marido sobre os trapaceiros que tentam tirar vantagem da falta de conhecimento de Fabiano. Seu sonho maior uma cama de fita de couro para dormir. O casal tem dois meninos, que nada questionam naquele cenário. E Baleia, a cachorra quase humana.




Não existem sonhos nesta história. Existe realidade. Uma realidade que pode se DESMANCHAR a qualquer momento. E cada linha lida e relida a gente se questiona sobre nossas escolhas, nossos devaneios. Questionamos até mesmo a maneira como respiramos. Porque respirar calmamente ajuda a desmanchar pensamentos doentios e sentimentos egoístas. Então percebemos o mais interessante: esta leitura pode DESMANCHAR a nossa tal construída realidade!!! Sim, a nossa realidade e os nossos sonhos vão se desmanchando a cada novo capítulo!




Por que ler? Porque o Clube de Leitura de São Chico vai debater o livro no dia 18 de novembro, às 10 horas, na Biblioteca Pública Elyseu Paglioli. E porque Vidas Secas nos ajuda a DESMANCHAR uma realidade que já não nos serve mais: a da hipocrisia. 



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