segunda-feira, 2 de março de 2020

"Setenta" é para acordar a alma

Semana passada, no dia 27 de fevereiro, Henrique Schneider debateu seu livro "Setenta" com o Clube do Livro de Canela, na Fundação Cultural de Canela. Infelizmente, por motivos logísticos, não consegui me deslocar até Canela, mas acompanhei tudo via face e grupo do Clube do Livro, via Whatsapp.

Em seu nono ano de realização, o Clube do Livro escolheu o aclamado livro "Setenta", do hamburguense Henrique Schneider, para o debate de fevereiro. O livro, publicado pela Não Editora, possui 160 páginas de muita história bem contada. Henrique Schneider, que também é advogado, foi finalista dos prêmios Jabuti e Açorianos por outras obras. "Setenta" foi vencedor do Prêmio Paraná de Literatura em 2017 e aborda os anos de ditadura militar no Brasil.





Grupo do Clube do Livro de Canela com o autor Henrique Schneider
"Setenta" é um livro que não pode ser degustado, mas consumido em poucas bocadas. Por que? Porque o assunto é importante em dias de tamanha loucura. E quando estamos falando em loucura, nos referimos a capacidade, que algumas pessoas têm, em querer privar a vida do outro de alguma coisa. Quando não queremos reconhecer o outro com sua maneira de pensar, de sentir, de viver, estamos privando o outro de seu livre arbítrio. Querer que as pessoas sigam apenas um padrão de pensamento é violento.

Qualquer tipo de ditadura prega esta tática: padronizar para controlar. O livro do Schneider mostra o que acontece quando uma pessoa é confundida com outra pessoa, considerada subversiva por um grupo que está no poder. Aparentemente, confinar a pessoa, que representa a ideia contrária, parece ser um sucesso para controlar divergências.

Mais que um testemunho sobre o regime militar ocorrido no Brasil, durante a década de 70 e parte da década de 80, o livro de Henrique retrata a maturidade crescente de pessoas que são privadas de liberdade. Tirem a liberdade de alguém e criem pessoas mais fortes. Aparentemente frágeis, pessoas que foram presas, torturadas, caladas, se tornam almas superiores. E almas superiores se tornam testemunhas reais de fatos inadmissíveis. Assim se fazem vozes que realmente falam e fazem as coisas voltarem ao seu lugar.

"Setenta" mostra, sem barulho, o que aconteceu no passado, aqui no Brasil, e faz uma convocação para que estas vozes reais falem. Não precisa ser em forma de grito ou com panelas sendo batidas. Até porque barulho não realiza mudança. Barulho só quer botar medo. E medo nós não queremos. Nós queremos a vida de Raul (protagonista do livro), que é tão bem descrita na página 64: "(...) Esta a vida de Raul; pequena e sossegada, sem espaço às confusões, aos riscos. Não havia porque ter medo."

Gente real quer viver do tamanho que a vida é: acompanhando as sutilezas do dia a dia, acompanhando seus filhos e amigos na caminhada. Trabalhar honestamente no que acredita ser sua missão de vida. Vida se faz de crescimento. Não se faz de violência, ambição e massacre da ideia alheia. Raul não quer brigar. Raul quer viver a vida dele. E tomar conta da sua vida não deixa tempo para se meter na vida do outro.

O capítulo 13 é um soco na boca do estômago. Uma mãe ter que ir a uma delegacia comunicar o desaparecimento do filho e descrever o cotiano (quase monótono) daquele filho. Como pode alguém querer interferir na relação daquela mãe e daquele filho? Não vamos nem entrar no contexto de "pensar igual ou pensar diferente". Prefiro seguir na linha espiritual, no desrespeito ao livre arbítrio do outro, na lei da ação e da reação. Torturadores, ameaçadores se consideram imunes a isto? Não são. Ninguém é. E por mais que não seja possível entender o tempo espiritual, este existe e a reação vem. Acompanhe sem medo. A vida responde.

Henrique Schneider merece sua atenção e sua leitura. Não sei qual a sua posição ideológica perante a vida e aos outros. Mas aproveite a leitura de "Setenta" para pensar na ação e reação. Nos anos 70 muitos sofreram absurdos. Em 2020 estas pessoas se tornaram vozes reais e irão mostrar o que foi feito. A energia muda. Ação e reação. Este é o papel da literatura: despertar a humanidade que existe em cada um de nós. Obrigada Schneider.

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