quarta-feira, 29 de abril de 2020

E daí presidente?

O presidente Bolsonaro nunca irá ler este texto. O presidente Bolsonaro nunca saberá quem eu sou. Isto importa? Nem um pouco. Nos últimos quinze anos aprendi que ser pretenciosa, arrogante e descompromissada com o outro atraí sofrimentos. Aprendi que a curta frase "e daí?" denota indiferença total. O que esperamos do outro, seja ele presidente ou indigente? Esperamos reconhecimento. Cada vez que procuramos outra pessoa para uma resposta, um cumprimento, uma indagação, procuramos reconhecimento. Eu existo para você? Você me enxerga? Você me reconhece? Não se lamente presidente. Lamentos não irão mudar o rumo da história. O que muda a história são decisões.

Entre setembro e outubro de 2006, meu pai, o Ricardo Viale, estava internado no hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, com uma diverticulite grave. Entre tratamentos e cirurgias necessitou de transfusão de sangue. Não lembro quantas bolsas de sangue ele precisou. O hospital pediu a reposição destas. Lá estava eu com a minha irmã, Cíntia. Ela me chamou para ir ao banco de sangue do hospital. Eu caminhei ao lado dela, por aqueles corredores, em silêncio. Quando chegamos no local, a recepcionista entregou um formulário, com várias perguntas, para a Cíntia responder. Eu continuava em silêncio e ela lia. Rapidamente me disse o número de pessoas da família, que já tinham feito a reposição de sangue. Fiz a contagem e cheguei à conclusão de que a doação de sangue da minha irmã já seria um plus. Olhei para ela e falei:
- Já fizeram a reposição de todas as bolsas, pelo que tu tá me contando. 
Ela respondeu: - Sim.
E eu sem entender porque estava ali sentada ao seu lado, com um formulário gigante a responder, soltei a frase mais idiota da minha vida:
- Tá! E daí? Se já fizeram a reposição das bolsas, por que tu vai doar?
A Cíntia disse que mesmo assim queria doar sangue para o nosso pai. E doou. Fiquei esperando ela naquela sala, sua primeira doação. E eu mal sabia que cem dias depois a minha pergunta seria respondida com muita dor e muita verdade.

A falta de informação e a falta de vontade em querer aprender, ou a pretensão de se achar melhor que os outros, faz de nós máquinas de produção de mágoas. No início de outubro meu pai morreu e a vida seguiu com uma ferida aberta. Em janeiro de 2007, meu irmão, o Chico, se acidentou de carro e precisou de 40 bolsas de sangue na cirurgia de emergência. Em cem dias a fatídica frase "e daí?" me mostrou toda a  severidade da minha indiferença. Aquelas quarenta bolsas caíram como uma bomba no meu colo. Rasgando feridas abertas e me dando um soco na cara. Te mexe Patrícia! A indiferença não vai te proteger.

A falta de humanidade nunca foi perdoada. A resposta pode ser tardia. Podemos nos "achar" por momentos, mas a resposta vem. E quem desumaniza, desumanizado é. O ciclo só é rompido quando nossas atitudes se tornam reais, verdadeiras e amorosas. A indiferença é vencida com o amor. Sempre.

E daí, presidente? O senhor tem visto demonstrações de amor ao povo brasileiro diariamente. Não do senhor e dos seus, mas de pessoas que aprenderam e acreditam na força do amor. A sua resposta virá. 

#jornalistanaquarentena

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