terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Carne

por Patrícia Viale




Se eu fizer sangrar a noite toda será pouco. Tá entendendo Eleanor? Porque matar é fácil. Difícil é fazer sangrar. Minha vontade é botar cada um daquela família no abatedouro. Animais entram no abatedouro um a um. Tô acostumado com isto. Ver um a um morrer. Eles não me fizeram nada. Nem os bichos, nem a família dela. Só ela me fez. Ela nunca me olhou. Nunca notou meu olhar para ela. Nela eu queria dar uma marretada na cabeça. E não seria certeira. Eu erraria muitas vezes. Só para ver ela sofrer. Mandar juntar a família dela! Botaria eles todos num corredor estreito. Um atrás do outro. Sem roupa, suando. Faria barulho nas grades de metal. Bate, bate. Desesperados, tentando fugir de todas as formas, embolando um por cima do outro. Os olhos cheios de terror. Como eu iria rir de ti, Eleanor. Sentiu o cheiro do sangue da tua mãe quase morta? Vai caminha, segue. Teu pai, já sem força, caí. Teus irmãos, que ainda estão de pé, são forçados a prosseguir. Dá choque neles! Falsos amigos. Disseram que ela olharia para mim. E eu muito idiota acreditei! Olhei para ela, tentei falar com ela. Estamos chegando ao final do percurso, um por um, presos em gaiolas. Estão gostando? Ela riu da minha cara, amassou minhas flores. Disse que eu era um Zé ninguém. Ouviram? Ele não me quis. Sequer me olhou. Eu dou marretadas sim, tantas quantas forem necessárias. Até que tombem. Todos! Vou suspender cada um em ganchos. Dependurados todos. Vivos! Sim, a tua família ainda está viva. Tua mãe tá erguida por uma perna. Quer ver? Abra os olhos Eleanor, olha os músculos dela se rompendo. Olha Eleanor! E agora vem o melhor. Pegar uma faca. Uma bem longa e cortar a garganta de cada um, na veia jugular e na carótida, deixando-o sangrar até a morte, pendurado de cabeça para baixo. Olha Eleanor! Ao menos uma vez me olha Eleanor.

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