quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O Rei Gordo

por Patrícia Viale

Era uma vez um rei gordo que tinha RG, título de eleitor e CPF guardados na carteira. não tinha coroa. Pois coroa não se adquire, se merece, dizia a vidente que tanto o aconselhava. O rei gordo não se importava com a coroa, pois tinha ele um castelo branco. Um enorme castelo branco sem torres.



Seu reinado começou no Ano da Lua. A vidente afirmava ser um ano de mais afetividade entre as pessoas, de preocupação com o meio-ambiente, em especial a água. Também salientava a aproximação facilitada entre as pessoas. O reio gordo, confiante nas palavras da vidente e nas forças lunares, recebeu os primeiros súditos no salão de recepção do seu castelo. Os plebeus Sálvio e Santos pediam iluminação na sua Padilha Sombria, localidade de escuridão e ataque de dragões. O rei gordo os fez sentar, chamou o fotógrafo e disse para fazer foto da autoridade e dos plebeus. A foto ficou registrada, guardada em alguma gaveta. A reivindicação não foi anotada. Isto não tinha importância. Este governo seria transparente. A casa do rei era a casa dos seus súditos. Assim repetia o conselheiro do rei gordo, que tinha os cabelos vermelhos e um bloco para anotações. Este risonho conselheiro usava uma caneta de tinta mágica. Minutos após escrever os pedidos, a tinta desaparecia e tornava todas as palavras invisíveis.

Numa tarde quente dos primeiros dias de janeiro o rei marcou reunião com seus secretários para discutir a situação do Arquivo Histórico. Um dos secretários perguntou o que era este arquivo. Outro tentou explicar confundindo ainda mais. O rei gordo, por fim, disse que a papelada sobre a história de seu reino estava jogada no porão ocupando espaço. Foi quando o conselheiro de cabelos vermelhos, que todos diziam ser uma peruca mal feita, sugeriu queimar os papéis e abrir espaço para coisas mais importantes. Alguém questionou o que seria mais importante. Ninguém soube responder. O silêncio tomou conta e o rei gordo interpretou aquilo como uma resposta positiva. Mandem queimar tudo. E se foram os guardas do reino incendiar papéis amarelados pelo tempo.



Sexta-feira era dia complicado no castelo branco sem torres. Muitos compromissos. Naquela semana visitas de outros reinos trariam novidades ao rei obeso. A princípio ele estava concordando, mas depois de minutos de reflexão alterou a sua agenda. Os visitantes esperavam-no na sala de recepção e um plano de emergência tivera de ser traçado para que os estrangeiros não ficassem esperando. Tudo resolvido. Alguém foi até . Alguém foi questionado sobre as ações do governante e Alguém não soube responder. Os estrangeiros voltaram para a sua terra sem nada compreender.

O rei acreditava que o dom era a maneira escolhida pelo Criador de se servir ao mundo. O rei acreditava nos seus dons. Um dia perguntei quais seriam os seus. Ele não respondeu. Olhou-me demoradamente, levantou do trono e saiu da sala. Eu nunca soube sobre seus dons.

Nova semana de trabalho. Ordens a seguir: limpar os galhos das árvores ao redor do castelo, não botar lixo ao redor do castelo, não misturar entulhos e lixo verde. Enquanto isto Sálvio e Santos matavam suas últimas galinhas para alimentar suas famílias.

 Naqueles dias passaram pelos salões reais Eduardo, Leônia, Helton, Jaqueline, Catarina, João, Simão, Romeu, Seu José, Júlio e alguns outros. Os nomes estão anotados na agenda real, ao lado dos horários em que foram recebidos. Também estão marcadas as cadeiras, onde cada um sentou e como estava o céu no dia em que foram atendidos. Tudo muito explicativo. O rei estava contente.



Foi comentado em um beco “A gente não é o que diz que é ou pretende ser, a gente é o que faz ou deixa de fazer”. Poucos escutaram. Naquela noite distribuíram vinho ao povo.

Parem tudo, gritava o rei gordo. Um novo fogão seria instalado na cozinha real e o rei queria a atenção de todos. Agora teremos comida boa. Teremos calor e principalmente motivação para cozinharmos nossos alimentos. O rei acreditava na energia da comida. Todo dia comia bolachas de água e sal, bebia uma água energizada e fugia das comidas importadas. Estas não prestam. Baixo teor nutricional e impostos pagos aos outros reinos. Distribuam farinha e água para as mulheres do reino sovarem minhas bolachas.



Muitos dias depois alguém lembrou de Sálvio e Santos. Mandem colocar luz na Padilha Sombria, urrava o rei gordo de raiva. As galinhas destes homens morreram por falta de aquecimento no galinheiro. Velas e lenha foram enviadas às pressas aos súditos.

Tinha torneio esportivo no reino. Pediram a bandeira real para hastear no início das competições. Seria impossível. A bandeira estava desaparecida. Como saber a sua localização se até mesmo o rei tinha sumido naquela data? A presença real tinha sido anunciada, mas o rei gordo não estava presente. Procuraram em todos os cômodos do castelo branco. O rei estava no andar mais alto idealizando as torres que o castelo não tinha. Alguém falou isto é trabalho para um engenheiro. O rei respondeu: eu sou o comando maior. Na outra semana pedreiros contratados, em caráter de urgência, interpretavam os rabiscos do líder máximo.

Teve reunião na região. Castelos vários se juntaram para discutir seus planos diretores, o destino de seus esgotos, a urbanização da plebe. O rei não quis ir. Mandou assessor. Seu castelo branco não tinha plano de coisa alguma. Mas as placas irregulares dos vendedores das feiras foram retiradas do pátio central. Tudo limpo e organizado. Enquanto isto as torres eram construídas.

Ana Clara pediu emprego de camareira. Alvori, isenção de impostos. João Carlos, de outro reino, queria patrocínio do reino de para escrever poemas do reino de . A garganta passou a doer. Seria o final do verão ou o início dos nós na garganta? Procurei uma benzedeira, que desmaiou ao me benzer.

Pediram um relato das primeiras ações de governo. Dei voltas e reviravoltas. Não escrevi uma linha sequer, apesar de todos os amigos do rei gordo estarem sempre sorrindo. Seria a comida feita no novo fogão?

O rei queria dar sapatos aos súditos. Chamou um artesão famoso em costurar couro no couro. Ele ensinaria aprendizes e sapatos seriam confeccionados. Futuramente distribuídos entre os mais necessitados. Os conselheiros brigavam para acompanhar a reunião do rei com o artesão. Todos queriam saber quanto seria gasto em couro. Onde o couro seria comprado. O conselheiro de cabelos vermelhos conhecia um vendedor de couro. O conselheiro quase tão gordo como o rei também conhecia um vendedor de couro. O rei mais gordo que todos os outros apenas ria.

Papéis se espalhavam no salão real. O que está acontecendo? Era o rei procurando uma de suas grandes idéias para implantar no reino. O rei tinha um banco de idéias, separado por assuntos, prioridades e ordem alfabética. O problema todo é que o rei não conseguia lembrar qual era a grande ideia a ser implantada.



Nova agenda: Tânia, Valdete, Márcia, Vanderlei, Priscila, Marcos, Sandro e Ricardo estiveram no reino para buscar algo. Saíram carregados de promessas e belas palavras.

Reunião no gabinete real. Um homem cheio de posses queria realizar grande festa para o povo. não sabia como. Não sabia com que dinheiro. Não sabia que festa. Mandaram chamar Alguém para dar orientações. A reunião durou horas e todos perderam o almoço feito no fogão real.

Montesquieu, aquele francês das antigas, que escreveu sobre as várias formas de governo e como estes poderiam ser preservados da corrupção, disse que para se alcançar o êxito na sociedade era preciso ter ar de louco e ser inteligente. O rei gordo mudou o olhar e escabelou a pouca cabeleira. Nada mais.

Diz o rei que vai cobrar taxa, dos outros reinos, sobre o uso da água que brota nas nossas terras e corre para estas outras terras. Quem quiser tomar água que pague pela sua caneca cheia. Um outro decreto, do Reino Maior, promete controle maior, por parte da sociedade, sobre a qualidade dos serviços prestados e a prevenção de danos à saúde da população. Quem encher a sua caneca de água terá o direito de receber um relatório detalhado sobre o líquido que bebe. Este decreto não me interessa, completa o rei. As moedas é que valem.



Alguém falou com Graziele e Breno sobre a iluminação para aquela festa sem nome, a festa feita para o povo? Não mandaram carta real, não haverá luz para as danças. A festa para o povo ficou no papel e o ouro da festa no bolso do homem cheio de posses.

Baixaram meu salário. Moedas a menos no final do mês. Explicação? Apenas um sorriso, tapinha nas costas e o comentário de que a vida seria mais feliz com pouco ouro. Assim pensava o rei gordo. Minhas contas não pouparam as moedas de menos e com o nome sujo na praça fiquei.

Se ouvia das bocas dos conselheiros reais: em qualquer planejamento é preciso colocar números, datas e resultados esperados. Nunca vi um destes, mas aprendi muito sobre discursos.


                              

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