domingo, 10 de março de 2019

Sobre facas, livros e churrasco



"... Tupy aproximou-se do cangaceiro, sacou a FACA curta que trazia presa no cinto e passou o polegar sobre o fio, para assegurar-se de que ela serviria ao seu propósito. Ele sorria, o bigode pontudo caído nos cantos dos lábios se alongava, os olhos apertados ficavam ainda menores e o cabelo encharcado de suor grudava na cabeça e no pescoço. Passou a faca lentamente junto ao rosto do cangaceiro, que se agitou ainda mais..." (página 220 - Livro "O Covil do Diabo", de Júlio Ricardo da Rosa).

Quando gaúchos são levados ao sertão para combater cangaceiros cruéis, a FACA torna-se uma arma  de requinte e respeito. Não existe covardia. A lâmina é a extensão de uma mão, que quer alcançar o sofrimento do outro. Na ficção de Júlio Ricardo, as FACAS exercem esta função e este fascínio, que, felizmente, fica nas linhas. Na vida real, Pedro Gimer transforma FACAS em arte.




Pedro aprendeu a cutelaria (arte de forjar facas, machados e espadas) quando serviu na cavalaria , entre 2015 e 2016, em Porto Alegre. De lá para cá o aço passou a fazer parte da sua rotina. Forjamento, usinagem, tratamento térmico e outros tantos termos são seu dia a dia de segunda à segunda. Depois da jornada de trabalho na área de vendas, Pedro faz da sua oficina o cenário para tantas criações exclusivas.



Conversar com Pedro é se familiarizar com termos novos como aço damasco, temperatura de trabalho, forjamento. Palavras, que no dia a dia de um leigo pouco chamam atenção, para Pedro é uma aposta. É construir camada por camada de um trabalho que se revela. "Existe a técnica, mas a criatividade é determinante. Ousar faz parte deste universo", completa o cuteleiro, que está sempre preocupado com cada etapa do seu trabalho. Os cabos de madeira das facas também são pensados por ele. O ofício da madeira ele aprendeu com o pai artesão. Juntou as artes. A oficina de cutelaria foi aberta em 2016. De lá para cá são cerca de 300 peças exclusivas. Todas vendidas pela internet. Muitas já viajaram e estão em sete países deste mundão.




O sonho do Pedro? Continuar. E poder se dedicar exclusivamente à cutelaria. Um sonho real e que ele sabe que precisa de muito trabalho e um tanto de visibilidade. Ele garante o trabalho diário e a visibilidade vem com a internet e suas participações em evento.


Esta conversa com o Pedro aconteceu durante o Carnaval, quando fui almoçar na Churrascaria Benetti, em São Francisco de Paula, e o Pedro mostrava o seu trabalho. O trabalho do Pedro consegui fotografar. Mas tenho que confessar o motivo da falta de fotos sobre o churrasco: eu estava preocupada em comer! A comida veio, foi e eu não fotografei. Quando estou comendo não consigo me preocupar com nada mais. Então as fotos mostradas aqui sobre a Churrascaria foram retiradas da página da mesma no Facebook.


Eis um bom casamento: facas e churrasco. Pode ficar melhor se colocar um livro (de preferência O Covil do Diabo, que tem tudo a ver com esta dupla) na descansada pós almoço. Vai lendo umas páginas, cochila, sonha com os cangaceiros e os duelos com a gauchada... Mas voltando à Churrascaria Benetti!!

Tudo começou na década de 70 com o casal Waldomiro e Felicita Benetti. Foram eles que enxergaram o churrasco como um produto a ser oferecido para os moradores e visitantes de São Chico. Para quem não conhece São Francisco de Paula (ou São Chico, como é conhecido carinhosamente), trata-se de uma cidade pequena, erguida em meios aos Campos de Cima da Serra, na Serra Gaúcha. Uma cidade que foi rota dos tropeiros de mulas e gado franqueiro. A carne aqui foi moeda de troca, foi subsistência, foi planejamento de vida de muitas famílias que investiram na pecuária.

A rotina em uma churrascaria, que abre nos sábados e domingos, envolve a compra da carne de qualidade, o recebimento da mesma, corte, armazenagem e o ponto alto do final de semana: assar para os clientes. Esta parte é feita por Mário Benetti, o irmão mais velho, que sempre chama atenção que o negócio se fez devido ao trabalho familiar. "Todos trabalham parelho aqui. Só assim podemos alcançar este nível de qualidade", destaca Mário.


A churrascaria que trabalha com o sistema de espeto corrido (os espetos de carnes são passados nas mesas, onde o cliente pode escolher o quê quer comer), conta com um serviço de mesa, onde são servidas saladas e pratos quentes. O ponto alto é a chegada da salada de batata, a polenta frita e a laranja com canela. Sim! A laranja com canela parece algo tão simples, mas prove! Ou sozinha ou com um pedaço de carne de porco. Depois me conta se exagerei! Ah! Parece irônico, mas um vegetariano passa bem na churrascaria. Basta identificar que é vegetariano e apreciar a massinha com alho e óleo, as inúmeras saladas, moranga caramelada e polenta frita.

Voltando à literatura, se o cangaceiro e capitão Valêncio, personagem bandidão do livro O Covil do Diabo, de  Júlio Ricardo da Rosa, tivesse provado esta comilança toda, garanto que não faria mais guerra.

Aconteceu que a Churrascaria fechou em agosto de 2010 e só reabriu em março de 2018. Nesta reabertura a família se juntou para pensar esta reabertura. Se era viável, como trabalhariam. o que serviriam. Optaram pelo serviço na mesa do cliente e o espeto corrido. Eis uma maneira de personalizar e deixar a refeição mais aconchegante. O buffet ficou para as sobremesas, que seguem receitas da família e das famílias de amigos que frequentam o restaurante.


A Churrascaria abre sábado e domingo, das 11h às 15h, e o foco é o sabor. E ao invés de escrever mais, vou convidar vocês a marcarem um almoço com a família e o amigos lá com os Benetti. Quem sabe o Júlio Ricardo da Rosa vai almoçar lá  também? Bom almoço e depois me conta!!!



Churrascaria Benetti
avenida Getúlio Vargas 656 - Campo do Meio
São Francisco de Paula
54 3244-6063
54 98125.7349

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