Patrícia Soares Viale
texto escrito em 15 de abril de 2002, numa temporada na Suíça
Olhei pelo furo na parede. Parede de madeira. Casarão
com cara caiada. Tal como faço nas noites de sexta-feira. Pelo furo nada vejo.
Nem vó, nem vô, nem neta ou cachorro. Também poderia ver um homem, um poeta, um
assassino. Mas no nada fico, assim como essas armaduras amadeiradas isolam-nos
daquele mundo. Não canso de procurar por algo nesse espaço tão limitado. Ouço
minha vó chamar e dizer que o arroz doce ainda está quente. Quentinho com
canela. Tão suave e perfumado. Bem como a hora do banho: sabonete, xampu,
creme, perfume e talco. Quero não! Está quente! E minha avó assopra a pequena
quantidade na colher. Abro a boca e pronto. Tão feliz quanto a felicidade do
encontro. O poeta recitou versos. Não de amor, mas de eternidade. E feliz
acreditei que a vida seria um eterno reencontro. Quer mais? Sacudi a cabeça num
violento “não” e com os olhos fechados mais uma vez balançei. Agora para cima e
para baixo. Minha vó ria manso e assoprava uma nova porção. Pequenina como
minha boca. Delicada como convinha para o momento. E na impaciência daquele
instante eu fingia ter a boca cheia. Tapava os olhos. Procurava por coisas que
pudesse existir somente na minha imaginação. E pacientemente minha avó esperava.
O riso sereno. A voz sem espera. A dedicação escolhida. Abraçava aquele corpo
cansado. Engolia tudo e ria com os dentes. Com corpo e com o pular. Saltava
pela cozinha e corria para o pátio. Já com a boca fria. Com o riso solto. E
quando paravam as pernas, olhava com ar de averiguação. Lá estava ela na
janela. O mesmo sorriso. A colher ao lado do pote. Pronta para uma nova porção.
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