terça-feira, 2 de março de 2021

Dia de Seu Ricardo

 27 de fevereiro foi aniversário do meu pai, o seu Ricardo. Se vivo estivesse faria 73 anos. Pisciano, este homem era o "absurdo" em forma humana. Não existia o impossível para ele. Não existia "não conseguir fazer". Quando ele tinha uma questão a pensar, ele se isolava ouvindo Julio Iglesias e Manolo Otero e depois de rodar vinte vezes o mesmo lado do LP retornava ao convívio com uma possibilidade de ação. Nem sei por quem puxei.

Este cara me mostrou o poder da música para levantar ânimos, para ressignificar momentos. Tinha música para chorar, para dançar, para lembrar. Era a estratégia de vivência dele. Uso esta até hoje.

Meu pai foi um apaixonado pela vida. Ele amava e festejava a vida, tudo era motivo de comemoração. Até minha primeira menstruação virou festa com comida, bebida e dança "a Paty virou mocinha!"
Meu pai era o campeão de me fazer passar micos. Entre os meus 15 e 18 anos eu tive um amor platônico por um rapaz, cinco ou seis anos mais velho que eu. O rapaz frequentava nossa casa, se dava muito bem com meu pai. Na verdade, eu acho que ele gostava era da companhia do meu pai (todo mundo amava ele!) e não de mim. Bem, no meu aniversário de 18 anos meu pai organizou uma festa no nosso apartamento (que não era grande) na rua São Vicente, em Porto Alegre. Convidou toda a família, mais os amigos da rua. Chamei os mais próximos da faculdade de jornalismo. E é claro que ele convidou o rapaz amor platônico. A trilha sonora era Leandro & Leonardo, Fred Mercury, Madonna, samba enredo e discoteca. Quando começou a tocar "Pensa em Mim, Chora por Mim", da dupla sertaneja, meu pai e suas duas ou três doses de uísques ingeridas iniciaram um discurso, de que o tal rapaz deveria prestar atenção na letra da música, que eu cantaria para ele. Eu quis morrer com 18 anos! O rapaz bebeu um copo de uísque num gole só. Meu pai ria. Na época eu odiava quando ele me fazia passar estes micos. Hoje eu vejo que ele tentava me ajudar a destravar para viver a vida. Porque para ele a vida sempre mereceu ser vivida com intensidade.
Anos depois, já morando em São Francisco de Paula, fui à Porto Alegre fazer uma seleção de mestrado e fiquei no apartamento com ele. Recebida com um Hi-fi (vodka e suco de laranja) e uma cara de poucos amigos perguntei se tinha acontecido algo. Com aquele olhar, que entrava na alma, ele disse que eu estava perdendo tempo, que o negócio era escrever letras de música no estilo "sofrência" e mandar para o cantor Leonardo. "Pai, eu quero tentar o mestrado!" E ele não disse nada. Só me fuzilou com o olhar e repetiu que eu deveria escrever letra de fossa. Foi para cozinha preparar mais um Hi-fi e voltou dizendo: "para o mestrado tu não tem experiência, mas para a fossa tá sobrando" e deu risada. Abaixei a cabeça, mas ri com ele. O cara me conhecia mesmo.
Meu pai foi o Cara da minha vida. Ele me ensinou que quando o coração é grande, os braços crescem também e que assim conseguimos abraçar o mundo. Ele me ensinou que toda pessoa é pessoa, independente de status social, dinheiro, cor de pele. Meu pai foi o cara que me mostrou que a vida é um absurdo, mas que podemos amar este absurdo.
Onde quer que ele esteja, teve festa, sim! De muita comida, bebida e dança! Porque a vida merece ser comemorada ainda que os olhos estejam afogados em lágrimas e o coração em saudade. Feliz Aniversário Pai!!!!





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