domingo, 31 de março de 2019

Fim de Festa


Por que ler "Fim de Festa", de Renata Wolff? Apenas um argumento: porque os contos deste livros são recheados de humanidade. Não são meros personagens. São gente de verdade. Gente que se cansa, mas que não enche o alheio de palavrão. Apenas vai embora. Gente que vive o instante e não cria expectativa. Gente que goza, que ama, que odeia. Mas principalmente que vive. Sem manuais.




"Fim de Festa" nos faz lembrar que a vida não tem regras certas, muito menos um padrão para tal. Vive-se. E ao outro não interessa quem você seja. Ao outro não interessamos e está tudo bem. "Fim de Festa" nos faz pensar em como entregamos nossas vidas a quem está do lado e, que na maioria das vezes, nos arrependemos por tal atitude. O livro vem para puxar a orelha de quem não conhece a responsabilidade pelas próprias ações e reações. O que se faz, se paga. Ou se recebe. Ou se prossegue. Qual é a intensidade dos nossos amores? Qual o tamanho da mansidão do teu dia a dia? Continua deixando o calor para as datas marcadas na agenda?


"Fim de Festa" é quando a ilusão termina e a única coisa que nos resta é seguir. De cabeça baixa ou levantada. Arrastando as pernas ou não. Mas respirando. Que no fim das contas é o que temos de essencial. Renata Wolff vem à São Chico para uma Pizza Literária em junho. E em setembro integra um mesa de debates com outras escritoras, em Gramado. Dá tempo de voltar a respirar.

quarta-feira, 13 de março de 2019

De igual para igual


Patrícia Soares Viale


texto escrito em 15 de abril de 2002, numa temporada na Suíça

Olhei pelo furo na parede. Parede de madeira. Casarão com cara caiada. Tal como faço nas noites de sexta-feira. Pelo furo nada vejo. Nem vó, nem vô, nem neta ou cachorro. Também poderia ver um homem, um poeta, um assassino. Mas no nada fico, assim como essas armaduras amadeiradas isolam-nos daquele mundo. Não canso de procurar por algo nesse espaço tão limitado. Ouço minha vó chamar e dizer que o arroz doce ainda está quente. Quentinho com canela. Tão suave e perfumado. Bem como a hora do banho: sabonete, xampu, creme, perfume e talco. Quero não! Está quente! E minha avó assopra a pequena quantidade na colher. Abro a boca e pronto. Tão feliz quanto a felicidade do encontro. O poeta recitou versos. Não de amor, mas de eternidade. E feliz acreditei que a vida seria um eterno reencontro. Quer mais? Sacudi a cabeça num violento “não” e com os olhos fechados mais uma vez balançei. Agora para cima e para baixo. Minha vó ria manso e assoprava uma nova porção. Pequenina como minha boca. Delicada como convinha para o momento. E na impaciência daquele instante eu fingia ter a boca cheia. Tapava os olhos. Procurava por coisas que pudesse existir somente na minha imaginação. E pacientemente minha avó esperava. O riso sereno. A voz sem espera. A dedicação escolhida. Abraçava aquele corpo cansado. Engolia tudo e ria com os dentes. Com corpo e com o pular. Saltava pela cozinha e corria para o pátio. Já com a boca fria. Com o riso solto. E quando paravam as pernas, olhava com ar de averiguação. Lá estava ela na janela. O mesmo sorriso. A colher ao lado do pote. Pronta para uma nova porção.

Leitura para cães abandonados

 Sempre que o assunto é leitura a gente pará e lê a notícia. Esta saiu no Informativo Olhar Animal: 

"A ideia por si só já merecia um prêmio: um centro de adoção para cães no Missouri (Estados Unidos), resolveu colocar crianças para lerem histórias para cães que sofreram maus-tratos. Desta maneira, ambos saem ganhando. Os cães voltam a confiar em humanos e as crianças aprendem a se relacionar de maneira saudável com os animais.


Shelter Buddies Reading Program funciona assim: os pequenos de 6 a 15 anos passam por um treinamento de 10 horas no Humane Society of Missouri, que auxilia em como eles devem se portar corretamente com os animais fragilizados. Isso ajuda a detectar através da linguagem corporal dos animais, se eles estão estressados ou com medo.





Depois, com a supervisão de um adulto ou responsável, as crianças sentam na frente dos cãezinhos e contam histórias. Elas podem levar seu livro preferido ou escolher um dos 100 títulos disponíveis no Centro.


Essa “reabilitação” ajuda a trazer conforto e faz com que os animais se sintam menos estressados. Assim eles voltam a ter confiança nas pessoas e podem ser encaminhados novamente pra adoção.
Já os pequenos, passam a entender que somos responsáveis pelo bem estar dos bichinhos que escolhemos ter como companheiros."


segunda-feira, 11 de março de 2019

Eva


por Patrícia Viale

Eva é beijada pelo pai. Acidente. Puro deslize. No cumprimento de Bom Natal, o pai abraça a filha e beija-a nos lábios. Eva estremece. Nos seus dez anos arrepia-se. O pai provavelmente não tem consciência do ocorrido. Está embriagado. Eva senta num canto da sala, com a boneca nova no colo. Muitas vezes a beija nos lábios. Tantas e tantas vezes. Inúmeras. Mais tarde Eva o pai abraçar a mãe e beija-la na boca. “É beijo de amor!”. E a menina agarra a boneca com os olhos fechados.
Meses depois Eva acompanha com entusiasmo a mudança que chega à casa 165. uma bonita moça entrando pela porta azul. Quando a moça olha Eva, essa faz cara de espanto e foge. Mas durante as semanas seguintes Eva ali perto pula corda em frente à janela, que tem o vidro sempre abaixado. Raras são as vezes que está levantado. Totalmente aberto. Um dia larga a corda e toca a campainha. A bela moça atende. Meu nome é Eva e o seu? Marina. Você quer pular corda? Ah, não, obrigada. Então podemos conversar? E Marinacom os ombros. Acho que podemos. Sobre o que você quer conversar? Sobre beijo de amor. Marina acha estranha a abordagem da menina, mas pressente que pode haver algo na inocência daquela criança e a convida para entrar. Eva entra e senta-se, rapidamente, em uma poltrona. As duas se olham com um torto silêncio no meio da sala. E então? Sei que você foi beijada. E como sabe? Toda mulher bonita recebe beijos de amor. E as que não são bonitas? Nunca conversei com elas. Mas o quê você quer saber? Você conta como foi seu beijo de amor e eu conto como foi o meu. Calei-me. Algum dia amei? E se nunca ganhei esse beijo de amor? A moça cruza as pernas como quem se prepara para um discurso. Passa as mãos pelos cabelos soltos e baixa os olhos. Você acha que Romeu beijou ardentemente Julieta? Não? Eu não sei! Você quer dizer que nunca foi beijada? Não, eu não disse isso! Então você foi beijada? Os olhos da menina eram ansiosos. Olhos de desejo para alguém tão jovem. E as mãos unidas como numa súplica. Orar para obter respostas. Assim ensinaram os pais. Os professores. E mal sabiam que muitas vezes as respostas não cabem às perguntas que temos. Por que pergunta? Porque todo amor precisa de um beijo.
Marina prefere silenciar e observar a menina. Eva coça o nariz e com a doce timidez dos poucos anos se levanta, aproxima-se e beija suavemente os lábios de Marina. Doce beijo. Rápido toque. Maltempo de criar castelos com torres e princesas apaixonadas. Mas com certeza, um beijo. Depois saí correndo, com as mãos na boca contendo o riso de quem fez uma travessura.

domingo, 10 de março de 2019

Sobre facas, livros e churrasco



"... Tupy aproximou-se do cangaceiro, sacou a FACA curta que trazia presa no cinto e passou o polegar sobre o fio, para assegurar-se de que ela serviria ao seu propósito. Ele sorria, o bigode pontudo caído nos cantos dos lábios se alongava, os olhos apertados ficavam ainda menores e o cabelo encharcado de suor grudava na cabeça e no pescoço. Passou a faca lentamente junto ao rosto do cangaceiro, que se agitou ainda mais..." (página 220 - Livro "O Covil do Diabo", de Júlio Ricardo da Rosa).

Quando gaúchos são levados ao sertão para combater cangaceiros cruéis, a FACA torna-se uma arma  de requinte e respeito. Não existe covardia. A lâmina é a extensão de uma mão, que quer alcançar o sofrimento do outro. Na ficção de Júlio Ricardo, as FACAS exercem esta função e este fascínio, que, felizmente, fica nas linhas. Na vida real, Pedro Gimer transforma FACAS em arte.




Pedro aprendeu a cutelaria (arte de forjar facas, machados e espadas) quando serviu na cavalaria , entre 2015 e 2016, em Porto Alegre. De lá para cá o aço passou a fazer parte da sua rotina. Forjamento, usinagem, tratamento térmico e outros tantos termos são seu dia a dia de segunda à segunda. Depois da jornada de trabalho na área de vendas, Pedro faz da sua oficina o cenário para tantas criações exclusivas.



Conversar com Pedro é se familiarizar com termos novos como aço damasco, temperatura de trabalho, forjamento. Palavras, que no dia a dia de um leigo pouco chamam atenção, para Pedro é uma aposta. É construir camada por camada de um trabalho que se revela. "Existe a técnica, mas a criatividade é determinante. Ousar faz parte deste universo", completa o cuteleiro, que está sempre preocupado com cada etapa do seu trabalho. Os cabos de madeira das facas também são pensados por ele. O ofício da madeira ele aprendeu com o pai artesão. Juntou as artes. A oficina de cutelaria foi aberta em 2016. De lá para cá são cerca de 300 peças exclusivas. Todas vendidas pela internet. Muitas já viajaram e estão em sete países deste mundão.




O sonho do Pedro? Continuar. E poder se dedicar exclusivamente à cutelaria. Um sonho real e que ele sabe que precisa de muito trabalho e um tanto de visibilidade. Ele garante o trabalho diário e a visibilidade vem com a internet e suas participações em evento.


Esta conversa com o Pedro aconteceu durante o Carnaval, quando fui almoçar na Churrascaria Benetti, em São Francisco de Paula, e o Pedro mostrava o seu trabalho. O trabalho do Pedro consegui fotografar. Mas tenho que confessar o motivo da falta de fotos sobre o churrasco: eu estava preocupada em comer! A comida veio, foi e eu não fotografei. Quando estou comendo não consigo me preocupar com nada mais. Então as fotos mostradas aqui sobre a Churrascaria foram retiradas da página da mesma no Facebook.


Eis um bom casamento: facas e churrasco. Pode ficar melhor se colocar um livro (de preferência O Covil do Diabo, que tem tudo a ver com esta dupla) na descansada pós almoço. Vai lendo umas páginas, cochila, sonha com os cangaceiros e os duelos com a gauchada... Mas voltando à Churrascaria Benetti!!

Tudo começou na década de 70 com o casal Waldomiro e Felicita Benetti. Foram eles que enxergaram o churrasco como um produto a ser oferecido para os moradores e visitantes de São Chico. Para quem não conhece São Francisco de Paula (ou São Chico, como é conhecido carinhosamente), trata-se de uma cidade pequena, erguida em meios aos Campos de Cima da Serra, na Serra Gaúcha. Uma cidade que foi rota dos tropeiros de mulas e gado franqueiro. A carne aqui foi moeda de troca, foi subsistência, foi planejamento de vida de muitas famílias que investiram na pecuária.

A rotina em uma churrascaria, que abre nos sábados e domingos, envolve a compra da carne de qualidade, o recebimento da mesma, corte, armazenagem e o ponto alto do final de semana: assar para os clientes. Esta parte é feita por Mário Benetti, o irmão mais velho, que sempre chama atenção que o negócio se fez devido ao trabalho familiar. "Todos trabalham parelho aqui. Só assim podemos alcançar este nível de qualidade", destaca Mário.


A churrascaria que trabalha com o sistema de espeto corrido (os espetos de carnes são passados nas mesas, onde o cliente pode escolher o quê quer comer), conta com um serviço de mesa, onde são servidas saladas e pratos quentes. O ponto alto é a chegada da salada de batata, a polenta frita e a laranja com canela. Sim! A laranja com canela parece algo tão simples, mas prove! Ou sozinha ou com um pedaço de carne de porco. Depois me conta se exagerei! Ah! Parece irônico, mas um vegetariano passa bem na churrascaria. Basta identificar que é vegetariano e apreciar a massinha com alho e óleo, as inúmeras saladas, moranga caramelada e polenta frita.

Voltando à literatura, se o cangaceiro e capitão Valêncio, personagem bandidão do livro O Covil do Diabo, de  Júlio Ricardo da Rosa, tivesse provado esta comilança toda, garanto que não faria mais guerra.

Aconteceu que a Churrascaria fechou em agosto de 2010 e só reabriu em março de 2018. Nesta reabertura a família se juntou para pensar esta reabertura. Se era viável, como trabalhariam. o que serviriam. Optaram pelo serviço na mesa do cliente e o espeto corrido. Eis uma maneira de personalizar e deixar a refeição mais aconchegante. O buffet ficou para as sobremesas, que seguem receitas da família e das famílias de amigos que frequentam o restaurante.


A Churrascaria abre sábado e domingo, das 11h às 15h, e o foco é o sabor. E ao invés de escrever mais, vou convidar vocês a marcarem um almoço com a família e o amigos lá com os Benetti. Quem sabe o Júlio Ricardo da Rosa vai almoçar lá  também? Bom almoço e depois me conta!!!



Churrascaria Benetti
avenida Getúlio Vargas 656 - Campo do Meio
São Francisco de Paula
54 3244-6063
54 98125.7349

sexta-feira, 1 de março de 2019

Pizza Literária aproxima estudantes e literatura



foto de Sérgio Azevedo

Em 2015, depois de uma experiência de bate papo e lançamento do livro Pasta Senza Vino, do escritor Eduardo Krause com pizzas de sua fabricação, em São Francisco de Paula, Patrícia Viale decidiu investir no casamento entre literatura e pizza. “Comida sempre abre as portas para uma boa conversa e a pizza, por ser tão apreciada, facilita ainda mais. Pensei em apostar nesta combinação para aproximar a literatura e as pessoas”, conta Patrícia. Além de jornalista, ela é leitora compulsiva e administra a Boutique de Pizzas e Livros Viale, em São Francisco de Paula.

Foi feita uma parceria com a editora Dublinense e a jornalista passou a organizar encontros, onde as pessoas podem apreciar pizzas e ouvir o processo criativo de escritores e escritoras da literatura gaúcha, publicados pela editora. Assim se fez a Pizza Literária.

Este mês, na edição da Pizza Literária de Verão, Patrícia sorteou convites no Ensino Médio do Colégio Expressão, em São Francisco de Paula (onde trabalha como jornalista). O objetivo é mostrar para os alunos que a literatura pode estar presente em ambientes diversos, o quê facilita o interesse e leitura de novos autores. “A Pizza Literária, além de ser um entretenimento literário, quer ser um trabalho de formação de novos leitores e leitoras”, reforça a jornalista.

Nesta edição da Pizza Literária de Verão, que contou com a participação dos escritores Júlio Ricardo da Rosa e Eduardo Krause, estiveram presentes os alunos Bernardo Dal Pai, Luísa Borges Santos, Diogo Rodrigues de Souza e Lorenzo Bertuol. Também participou do evento o professor de Literatura e Língua Portuguesa do Colégio Expressão, Eduardo Cardoso de Moraes.

Por que me tornei uma colagista

Em 2001 fiz um auto exílio na Suíça, em função de um casamento. Jornalista no Brasil, lá me descobri uma analfabeta. Além de precisar apre...